quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O ACORDO COM A TROIKA E A (IN)JUSTIÇA FISCAL

Em tempos normais formular uma política fiscal, assente nos valores da justiça e equidade, constituiu uma tarefa difícil e complexa. Mas, em tempos de recessão e crise, constitui tarefa muito mais complexa e difícil. Com efeito, conciliar os objectivos de maximização da receita fiscal, com a justiça fiscal é uma tarefa quase homérica. Analisando o Acordo celebrado entre a TROIKA e o Estado Português, em Maio passado, facilmente se conclui que o acordo tem como único objectivo a arrecadação de receitas, estimadas em pelo menos 400 milhões de euros, sendo que essas receitas adicionais serão exclusivamente utilizadas para efeitos de consolidação orçamental. Para tal, o Acordo prevê a redução substancial das isenções temporárias aplicáveis à habitação própria e actualizar o valor patrimonial matricial dos imóveis para efeitos de tributação (ponto 1.22 e 1.32), com o fim único de maximizar a receita.
O Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, que entrou em vigor em Dezembro de 2003, previa no artº 112º, um conjunto de isenções em função do valor do imóvel. Em finais de 2008, no âmbito das medidas fiscais anti-cíclicas, o anterior governo aprovou alterações aos valores das taxas e aos períodos de isenção. Assim passaram a estar isentos do pagamento de IMI por um período de 8 anos os imóveis com um valor tributável até 157 500€ e de 4 anos para os prédios de valor superior até 236 250€.
Tributar em função do valor do imóvel é um rotundo disparate que encerra uma tremenda injustiça. São medidas erróneas e incongruentes que dão origem a profunda injustiça fiscal. Por um lado, beneficiam pobres e ricos (entenda-se estes conceitos de forma simples que não simplista), porque um rico pode adquirir imóveis cujo valor tributável se encontre dentro daqueles limites. Por outro lado, geram um grave desequilíbrio. Um cidadão que adquira um imóvel no valor de 158 000€, ou seja mais 500€, que o primeiro escalão e tem um período de isenção de 4 anos. Um cidadão que tenha adquirido o seu imóvel no valor de 157 500€ ganha 4 anos adicionais de isenção. Se tivermos em conta que a taxa actual para imóveis avaliados ao abrigo do novo regime é, em regra, de 0,4% o segundo cidadão tem um benefício fiscal de 2 520€, nesses 4 anos. Escandaloso! Chocante! Imoral! É difícil encontrar o adjectivo adequado que qualifique esta tremenda injustiça.
Vejamos agora outra situação possível: um cidadão (pobre ou rico) adquire um imóvel no valor de 236 000€ e tem direito a um período de isenção de 4 anos, enquanto um segundo cidadão adquire um imóvel pelo valor de 237 000€ e é confrontado com um encargo adicional em IMI, nesses 4 anos, de 3792€. Em qualquer das situações estamos perante valores muito significativos. Um dos contribuintes é sacrificado e o outro é poupado a um tremendo esforço fiscal. Qualquer destes valores serão muito úteis a qualquer um dos cidadãos para suportar o esforço financeiro de conservação e manutenção dos respectivos imóveis, mas só um desses cidadãos o pode fazer, pela poupança que lhe foi permitida, por lei. Em síntese, o Estado trata um contribuinte como cidadão de primeira e outro contribuinte é tratado como cidadão de 2ª.
Se o Acordo com a Troika conduzisse à extinção das isenções em sede de IMI estaríamos a dar passos concretos no sentido de maior justiça fiscal. Mas, infelizmente, parece que se vão perpetuar-se as distorções e injustiças introduzidas pelo actual sistema de tributação do património imobiliário.
A existência de uma multiplicidade de isenções no IMI sem justificação económica e social, só vem reforçar a conclusão de que o sistema actual conduziu a distorções e iniquidades incompatíveis com um sistema fiscal justo e moderno. Nesse caso, poder-se-á dizer que o Acordo com a Troika serviu tão só para “esmifrar” ainda mais as famílias portuguesas, já tremendamente sobrecarregadas com impostos.
Em conclusão, a criação de isenções em função do valor do imóvel está muito longe de ser uma solução benigna e justa, porque tanto pode beneficiar estratos de rendimento baixos como rendimentos altos. Porque não considerar a tributação de forma progressiva em função do valor desse mesmo património, à semelhança do que ocorre em sede de IRS. Uma solução assente na proporcionalidade seria, indiscutivelmente, geradora de maior justiça social. Vamos ver o que nos reserva os próximos tempos.

António Lourenço
Economista

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